Parte 5
Quem poderá nos levar?
Finalmente o sol nasceu nesse dia esperado. O café da manhã tinha suco, pão, frutas, café e

ansiedade. Como planejado, não fechamos o pacote antes pela internet por que haviam vários relatos de viajantes que sugeriam que fechássemos na hora para ver com os próprios olhos o que estávamos comprando. E mesmo assim poderia não ser o que estávamos comprando.
Fomos para a avenida Ferroviária, em frente à estação de Trens e lá nos deparamos com vários turistas e carros, Toyotas Land Cruiser em sua maioria, que os levariam para vários tipos de roteiros que passam no Salar de Uyuni, deserto de Siloli, Vulcão Tupuna e outros maravilhas naturais. Nem todos os turistas voltariam ao ponto de partida, alguns ficariam em São Pedro do Atacama no Chile onde continuariam suas viagens. -Talvez na próxima vez façamos o mesmo.
Ainda na avenida Ferroviária, fomos assediados por vários agentes que vendiam pacotes turísticos para a região. O preços eram mais baixos que o que haviamos pesquisado na internet, porém, optamos por contratar os serviços da Uyuni Tours Bolívia com a Dona Antônia, pois tínhamos boas referências sobre essa empresa que prometia levar no máximo seis turistas por carro, outras empresas levam sete, o que deixa a viagem mais desconfortável do que já é. Àquela altura, com nós dois, não era possível completar um carro, então, ela nos juntou com mais três clientes de outra empresa e acabamos viajando em cinco, com muito espaço.
Indo pro sal
Eram quase 11 da manhã quando a Dona Antônia nos apresentou aos nossos companheiros de aventura nos próximos dias, a sul coreana Jiyeon Kim, os chineses Xue Qin e Zhou Sheng e nosso anjo da guarda e guia Walter e seu Land Cruiser azul, ou verde, dependia de quem olhava. Colocadas as bagagens sobre o teto do carro e protegida por lona, todos a bordo, finalmente começamos a deixar poeira para trás rumo ao cemitério de trens que estava infestado de turistas, como moscas no peixe. Confesso que aquela infestação me decepcionou um pouco. Até aquele momento, nada de mais e ainda estava em um carro com pessoas que achei que não interagiríamos nos próximos três dias no meio do nada. Me senti um turista… -Ops! Mas eu era um turista naquele momento. Tudo bem, vamos continuar…
Olha o trem
Primeira parada: O Cemitério de Trens de Uyuni. Ele marca o fim de um surto de progresso boliviano e enriquecimento estrangeiro com suas riquesas (ouro, prata e estanho) entre o fim do século XIX e início do século XX. Mas, como voltaríamos aqui em três dias e sem turistas, contarei sobre esse local com mais detalhes depois.
No sal
De lá tomamos a Carreteira 30 (de asfalto) rumo ao povoado de Colchani, onde almoçamos

em uma construção feita de blocos de sal, da parede aos móveis, e compramos lembranças em uma feirinha em meio a uma paisagem desolada e que nos inquieta ao ver que ali há vida.
Agora sim, os pneus de nosso carro tocaram o sal que possuía dois recordes, o da maior planície de sal do mundo e maior reserva de lítio do mundo também, com quase 11 mil quilômetros quadrados, que seria o seu solo pelo dia inteiro. Para quem olhasse de cima, éramos apenas um ponto que se movia em uma grande folha de papel branco, deixando rabiscos pretos, até chegar ao Hotel de Sal com bandeiras e turistas do mundo todo em frente a uma escultura de sal do Dakar Bolívia. Ali, tive uma experiência surreal ao olhar com um óculos de soldador o branco infinito que toca o céu de azul profundo no horizonte. É quase indescritível, como se estivesse em outro planeta. Claro, aproveitamos para fazer as fotos engraçadas, pois éramos turistas. Partimos então para Ilha Incahuasi, que historicamente é um entreposto de descaso desde a era dos Incas no meio das rotas de no sal. Nessa ilha, pagamos um taxa de B$ 30 para entrar e fazer uso dos banheiros.

Começamos uma trilha rodeada de cactus gigantes que crescem um centímetro por ano e povoam aquele pedaço de terra cercado de sal por todos os lados. Na metade da subida, faltava ar devido a altitude, era hora de começar a me mover mais vagarosamente para não passar mal. Nessa ilha, vimos as primeiras evidência que aquele lugar já foi parte do oceano ao andar sobre recifes de coral fossilizados. Mais algumas fotos durante a subida e finalmente o cume de onde pudemos ver o horizonte rodeado de cadeias montanhosas nas bordas do lago. Na descida para o carro, encontramos algumas lhamas domésticas que posaram para foto. -Novamente, exagero meu. Elas não estavam ne aí.
Santiago Chuvica

Partimos sobre a estrada pintada com o preto da borracha do desgaste dos pneus sobre o duro sal que ia até o povoado de Chuvica na borda do Salar. Cada vez que olhavamos para o chão de sal, ele estava com uma textura diferente, hora com desenhos geométricos em alto relevo, hora como uma lixa e hora formando padrões em baixo relevo. Em Santiago de Chuvica, deixamos nossa bagagem no quarto do hotel de sal e voltamos ao Salar para ver o por do sol. Nem preciso dizer que espetáculo a natureza nos proporcionou com aquela tênue luz que caia além do horizonte perto das montanhas que represavam aquela sal em que estávamos em pé. Naquele momento, silêncio, paz e sal temperavam aquele crepúsculo que pudemos vivenciar intimamente com a natureza. “Veja as fotos no final do texto”.
Em geral, os pacotes oferecem hospedagem em alojamentos (quartos para seis pessoas)

com banheiros coletivos. Ainda em Uyuni, por um pequeno acréscimo, pegamos um quarto duplo com banheiro privativo. No hotel, como sempre, fomos bem servidos pelo nosso guia Walter. Uma sopa deliciosa de entrada, carne, legumes, arroz, refrigerante, chá… sim, também havia chá de coca para ajudar amenizar o mal de altitude (soroche) para quem precisasse. -Em breve falarei mais sobre ele, pois é claro que experimentei, os dois, o mal de altitude e o chá de coca.
Que a noite caia!
O sol já havia se posto depois de contemplá-lo e fotografá-lo caindo além de onde nossos olhos podiam enxergar a nossa preocupação agora era tomar um bom banho quente, apesar de não estar muito frio para o local, algo em torno de cinco graus naquele momento e baixando conforme a noite nos roubava o calor. Àquela altura, nada melhor que o banho para tirar a poeira e o sal do corpo, colocar roupas limpas e deitar sob várias mantas para

não passar frio durante a madrugada… só que não resisti, chamei o Alexandre, que é a única pessoa que conheço que nunca se nega a fazer esses programas de índio, e o nosso novo amigo chinês Zhou Sheng para ver as estrelas e fotografar a escuridão. Cruzamos o frio e a escuridão para chegar no sal, pois onde estávamos ainda era solo firme. Mas, depois de andar por dez minutos, chegamos em um terreno que ainda havia alguma vegetação, que só soubemos no dia seguinte que era frequentado por pumas andinos, e preferimos não arriscar em chegar ao sal, talvez da próxima vez. Montamos nossa base e comecei a ensinar o Alexandre a essência da fotografia noturna. Agora era ele que pisava em terreno estranho, escuro e desconhecido. Entre astrofotografias e lightpainting, conversávamos sobre a vida e sobre a viagem com o nosso amigo Zhou. Mas não podíamos virar a noite ali, nossos corpos pediam descanso para o próximo dia e que as nossas almas não queriam conceder. Alvorada marcada para 5:30, hora de deitar e até a próxima página dessa história.