Parte 2
deixando a zona de conforto
De volta a nossa epopéia rumo ao “Novo Mundo”…

– Tá bom, exagerei. Vamos voltar à realidade.
A alvorada foi regada de ansiedade na pacata cidade de Ladário-MS, não que tenha acontecido algo extraordinário, mas por que começávamos a nós sentir livre das correntes cotidianas e que a nossa existência nos próximos dias dependeria apenas de nós.
Antes de partir do Brasil, durante o café da manhã com chipa e saltenha, conhecemos algo que deve deixar qualquer gaúcho confuso, no mínimo. O refrigerante de chimarrão.

E claro, fui visitar meus parentes e dar uma volta na minha cidade natal.
Ainda pela manhã, atravessamos a fronteira de Corumbá (Brasil) para Puerto Quijarro (Bolívia), onde passamos pela imigração, tanto a brasileira quanto a boliviana, uma para dar saída do Brasil e outra para dar a entrada na Bolívia. Apesar da Bolívia ser um país associado ao Mercosul e poder usar a identidade, sugiro que levem o passaporte caso queiram se aventurar em terras bolivianas, pois em todas as nossas

hospedagens e compras de passagem, nos pediram o passaporte. A partir desse momento passamos a explorar novos campos onde muitas coisas eram novidade. A aparência caótica daquele trecho de estabelecimentos comerciais competindo com o comércio de rua, a venda de bebidas refrescantes por ambulantes, como limonada, chicha e uma outra feita de canela com um pêssego dentro chamada mucochicho. Ainda não éramos bolivianos – e nem conseguiríamos com nossas feições de turistas naquele local – mas já marcávamos a nossa chegada em terras bolivianas degustando um fruto de sua terra, a cerveja Paceña, uma pilsener premiado mundialmente em vários concursos mundiais e fabricada pela Cervecería Boliviana Nacional.



















Junto a meus tios, partimos rumo à estação ferroviária para comprar nossos bilhetes, passando por um asfalto com tanta terra em cima que pouco diferia de uma estrada de terra bem batida.
O TREM, NÃO É MAIS DA MORTE
Chegada a hora, nos despedimos e embarcamos rumo à Santa Cruz de lá Sierra no Expresso Oriental em Puerto Quijarro. Hoje, apelidado de Trem do Progresso, já foi conhecido por Trem da Morte (O apelido nasceu no século passado, quando a composição era usada para transportar leprosos, doentes e corpos das vítimas de uma grave epidemia de febre amarela que se abateu sobre a região de Santa Cruz. Além disso, naquela época, a ferrovia não estava em suas melhores condições e descarrilamentos eram comuns, o que contribuiu para reforçar a má fama do trem*).

Nossa classe era a Super-Pullman, a melhor classe oferecida e que contava com assentos reclináveis, calefação, ar-condicionado, TV full-HD e muito mais. Mas o que começamos a aprender naquele momento é que nem todas as promessas aqui se tornam realidade, como no caso de dois tímidos ventiladores que faziam às vezes do ar-condicionado. As persianas das janelas não fechavam, então ficamos expostos ao sol em alguns trechos. Já esperávamos pelo desconforto, mas nada foi tão estranho quanto o chacoalhar do trem, parecia que estávamos em um navio singrando em um mar grosso (termo náutico para mar agitado). Tentamos encarar tal balanço como uma forma que o trem nos punha a ninar, mas não foi bem assim. Ao atravessar uma extensa planície com mata nativa se revezando com pastos, lavouras e pequenas cidades e lugarejos, lentamente o trem contava os dormentes que sustentavam os trilhos ondulados que nos impediu de ultrapassar os 53 km/h (segundo o GPS) de forma segura, sendo muitos trechos feitos pouco mais de 20 km/h. Foi então que entendi por que aquela viagem de 660 quilomêtros nos cobraria quase 17 horas, nos deixando a média de menos de 40 Km/h. Sem pressa, nossa viagem não estava restrita ao nosso destino, mas ao caminho inteiro. E assim, no vagão restaurante, pudemos saborear um delicioso café suave e que não deixa after taste como o café torrado comumente vendido no Brasil.
Dessa vez, foi vagão restaurante que nos cobrou a habilidade de equilibrista. Sempre balançando, o pires já nos foi servido com parte do café que não conseguiu ficar dentro da xícara naquela travessia de cinco metros entre a cozinha e a nossa mesa nas mãos do simpático garçom.
Apesar daquele pequeno desconforto – talvez eu esteja exigente demais – , me senti cuidado por aquela tripulação, desde o fiscal que nos orientavou no embarque que sugeriu que ocupássemos outros assentos vazios para que viajássemos mais confortavelmente ao cozinheiro que foi de passageiro em passageiro para avisar que o vagão restaurante estava funcionando e informar o cardápio.
Como entretenimento, suas TVs começaram com clipes de música como Henrique Iglesias e vários outros que não conheço e filmes com muita explosão, começando por 2012, passando por Trazan e mais outro que não sei o nome. Mas minha TV preferida era a janela no canal de paisagens.
Durante o percurso, paramos em várias cidades e vilarejos onde embarcavam e desembarcavam passageiros, ambulantes entravam para vender coisas para comer e beber, de tamarindos à quentinhas, de balas a sucos, e mais situações para guardarmos na memória.
Já naquele início, não pude deixar de me perguntar como era a vida dessas pessoas que trabalhavam no trem, longe de seus lares, levando e trazendo pessoas, carga e muitas histórias de vida que eles sequer sabem que são personagens. O trem teria se tornado seu lar?
Nossa paisagem começou a imergir na escuridão e fomos ao vagão restaurante jantar. O cardápio era lomo de rez (bife de carne bovina) ou pollo (frango) e assim, novamente precisamos de nossas habilidades de equilibrista para conseguir jantar e fortalecer o nosso corpo e serenidade para alimentar nossa alma.
Restava-nos agora dormir um pouco e esperar o próximo capítulo nessa nossa viagem para Uyuni.
*Fontes: http://mundoestranho.abril.com.br/cultura/o-que-e-o-trem-da-morte/
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